Bom dia pra quem é de dia, boa tarde pra quem é da tarde, boa noite pra quem é da noite! – e um viva a todos que estão na função! Bem-vindos ao Encontro de Culturas Literário de São Jorge – Goiás, Chapada, Centro-Oeste!
Desde 2001, temos nos reunido na Vila de São Jorge para o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros. Todos os anos, povos tradicionais, gentes da rua, brasileiros de todos os cantos e pessoas de todas as paragens do mundo vêm participando dessa grande romaria de culturas e identidades.
Agora, essa tradição de comunhão à roda da sabedoria mobiliza uma nova invenção: o Encontro de Culturas Literário. Pela primeira vez, o cerrado está recebendo um evento de tão bela significância e importância. E você, sempre bem-vindo, fará, está fazendo e fez parte desse processo.
Nosso mote para o encontro é o livro. Nosso motivo para o encontro são os escritores e escritoras. Nossa maior motivação são as leitoras e os leitores. Nessa primeira grande roda, receberemos autores indígenas e regionalistas, quilombolas e cordelistas, contadoras e contadores de histórias – e quem mais vier. E nosso encontro para novos motes assim se traduz: “uma grande oportunidade de descobrir novos mundos e pensamentos que nos incomodam e nos transformam”, como fala a Ana Ferrareze.
Diversas tradições do literário correm, feito águas de rio, para esse encontro. Como diz Juliano Basso, de “Guimarães a Guimarães” essa tradição de vozes de cada região (regionalismo) vai movendo vários modos de dizer e escrever, de contar e encantar. Sendo correnteza, o Encontro transborda os elementos do humano e revela o belo que reside numa escuta sensível, nos modos de enfronteiramentos. Das raizamas de José J. Veiga a Cora Coralina, esse universo do centroeste-norte revela suas angústias e lutas, metafísicas e corporalidades. Uma filosofia do cotidiano, uma história de novas mentalidades, um “ecossistema literário” (como coloca Julie Oliveira), que convocam pensadores e sentidores de várias paragens para respirar literatura.
Se em nosso país se lê tão pouco, é certo que histórias muitas são contadas. E esse é o maior segredo do Encontro de Culturas Literário – aproximar a letra da voz, mirar e ver, deixar as crianças livres para captar as imagens que elas veem do mundo, como coloca o fotógrafo Lucas Viana. Nosso encontro alimenta-se de sabedoria, e os mestres e mestras do saber nos ensinam a valorizar as pessoas – que são constituídas de suas narrativas, como colocam a aprendiz Griô e contadora de histórias Luciana Meireles e (sua) Maria das Alembranças.
No jogo de dentro, no jogo de fora, que é a vida, quem teve a experiência de ler um autor indígena, de reler um autor quilombola, de ver aquele livreto de cordel materializado com a presença da cordelista e do cordelista. Ainda, nesse tempo que passou e que vem passando de isolamento e de pandemia, quem tem e terá tempo de parar para ouvir o outro, quem vai ter coragem de parar para abrir um livro e ler pro outro. No Encontro, teremos contações e decantações de histórias, causos, casos e relatos. Também teremos uma questão muito profunda que atravessa o cânone literário: a questão do regionalismo. Quais autores afirmam essa tradição, quais são aqueles que a negam. O urbano, estando em uma região, pode ser-escrever obra regionialista, o escritor regional sonha deseja quer ser universal. Mas o universo não é feito de regiões? O certo é que queremos menos livros-régios e mais vitórias-régias.
Nessa travessia de uma literatura que vem de longe, que andou pelo mar e pelo litoral – agora, ela aporta no planalto central. E um dos marcadores desse processo é o livro O Ermitão do Muquém (1869), do mineiro Bernardo Guimarães (1825-1884). Essa obra é um marco porque revela – para os brasis liminares – justamente os altiplanos da “Província de Goyaz”. Passando por Vila Boa (hoje Cidade de Goiás) até chegar no Muquém, a história desse Guimarães desvela os modos de ser dos povos do cerrado, das comunidades de longe do mar, de um mundo profundo – e do qual São Jorge é testemunha e passagem.
Ler é um ato revolucionário e escrever um ato de coragem. No encontro dessas forças, no Encontro de Culturas Literário movimentaremos estruturas e ideias, caminhos em aberto e memórias que de tão longe vem vindo. Também teremos livros novinhos para abrir, cheirar, ler, brincar – tudo em felicidade clandestina. Nesse encontro de contos e acontecências, tantas histórias de “rios alembrantes”, tantas músicas de morar, tantos vãos sem nomes e tantas veredas delirantes terão lugar.
Texto:
Augusto Niemar
(Poeta e Professor)
Universidade de Brasília